Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-299
DOI 10.5935/0103-507X.20220028-en
A síndrome da encefalopatia posterior reversível é uma rara síndrome clínica e radiológica caracterizada por edema vasogênico da matéria branca dos lobos occipital e parietal, que geralmente são simétricos, resultante de uma manifestação secundária de disfunção aguda do sistema cerebrovascular posterior. Descrevemos um caso de síndrome de encefalopatia posterior reversível secundária à infecção por SARS-CoV-2 em um menino de 9 anos de idade que desenvolveu insuficiência respiratória hipoxêmica aguda e necessitou de ventilação mecânica assistida. A criança desenvolveu síndrome inflamatória multissistêmica e foi monitorada na unidade de terapia intensiva pediátrica, tendo-lhe sido fornecidos ventilação mecânica e agentes vasoativos para suporte hemodinâmico. Além disso, desenvolveu manifestações clínicas pulmonares e extrapulmonares juntamente de manifestações neuropsiquiátricas que necessitavam de seguimento cuidadoso, tendo sido verificadas por ressonância magnética cerebral para intervenção oportuna. Atualmente, há poucos relatos de crianças com síndrome da encefalopatia posterior reversível associada à síndrome inflamatória multissistêmica.
Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(1):44-55
DOI 10.5935/0103-507X.20220002-en
Os medicamentos reaproveitados são importantes em contextos de recursos limitados porque as intervenções estão mais rapidamente disponíveis, já foram testadas com segurança em outras populações e são, em geral, mais baratas. Os medicamentos reaproveitados são uma solução eficaz, especialmente para doenças emergentes, como a COVID-19. O estudo REVOLUTIOn visa avaliar três medicamentos antivirais reaproveitados: atazanavir, daclatasvir e sofosbuvir, já utilizados em pacientes infectados pelo HIV ou pelo vírus da hepatite C, em um estudo randomizado, controlado por placebo, adaptativo, multibraço e em múltiplos estágios. Os medicamentos serão testados simultaneamente em um ensaio de Fase II para primeiro identificar se algum deles, isoladamente ou em combinação, reduz a carga viral. Se reduzirem, será iniciado um estudo de Fase III para investigar se tais medicamentos são capazes de aumentar o número de dias sem suporte respiratório. Os participantes devem ser adultos hospitalizados com idade ≥ 18 anos com início dos sintomas ≤ 9 dias e saturação de oxigênio ≤ 94% em ar ambiente ou necessidade de oxigênio suplementar para manter saturação de oxigênio > 94%. O tamanho total esperado da amostra varia entre 252 e 1.005 participantes, dependendo do número de estágios que serão concluídos no estudo. Assim, o protocolo é aqui descrito em detalhes, juntamente do plano de análise estatística. Em conclusão, o estudo REVOLUTIOn foi concebido para fornecer evidências se o atazanavir, o daclatasvir ou o sofosbuvir reduzem a carga viral de SARS-CoV-2 em pacientes com COVID-19 e aumentam o número de dias em que os pacientes ficam sem suporte respiratório. Neste artigo de protocolo, descrevem-se a fundamentação, o desenho e a situação do ensaio.
Identificador do ClinicalTrials.gov:
Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(1):107-115
DOI 10.5935/0103-507X.20220005-en
Avaliar as práticas clínicas e a organização dos recursos hospitalares durante o início da pandemia da COVID-19 no Brasil.
Foi realizado um estudo transversal multicêntrico. Um questionário on-line foi disponibilizado a médicos dos serviços de emergência e das unidades de terapia intensiva que atendiam pacientes com COVID-19. O questionário contemplava quatro aspectos: perfil dos participantes, práticas clínicas, protocolos de tratamento da COVID-19 e organização dos recursos hospitalares.
Entre maio e junho de 2020, 284 participantes (56,3% homens), com idade mediana de 39 (intervalo interquartil de 33 - 47), responderam ao questionário; 33% eram intensivistas e 9% eram especialistas em medicina de emergência. Metade dos respondentes trabalhava em hospitais públicos. Verificou-se que a ventilação não invasiva (89% versus 73%; p = 0,001) e a cânula nasal de alto fluxo (49% versus 32%; p = 0,005) encontravam-se mais frequentemente disponíveis em hospitais privados do que nos públicos. A ventilação mecânica foi mais frequentemente utilizada em hospitais públicos do que em privados (70% versus 50%; p = 0,024). Nos serviços de emergência, a pressão positiva expiratória final foi mais frequentemente ajustada de acordo com a saturação de oxigênio, enquanto nas unidades de terapia intensiva, a pressão positiva expiratória final foi ajustada de acordo com a melhor complacência pulmonar. Nos serviços de emergência, 25% dos respondentes não sabiam como ajustar a pressão positiva expiratória final. Comparativamente aos hospitais privados, os hospitais públicos tiveram menor disponibilidade de protocolos para Equipamentos de Proteção Individual durante a intubação traqueal (82% versus 94%; p = 0,005), o manejo da ventilação mecânica (64% versus 75%; p = 0,006) e o desmame dos pacientes da ventilação mecânica (34% versus 54%; p = 0,002). Finalmente, os pacientes passaram menos tempo no serviço de emergência antes de serem transferidos à unidade de terapia intensiva em hospitais privados do que em hospitais públicos (idade mediana de 2 (1 - 3) versus idade mediana de 5 (2 - 24) horas; p < 0,001).
Este estudo revelou heterogeneidade considerável entre os médicos em termos de organização dos recursos hospitalares, práticas clínicas e tratamentos durante o início da pandemia da COVID-19 no Brasil.
Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(1):124-130
DOI 10.5935/0103-507X.20220006-en
O presente estudo avaliou a prevalência da elevação da troponina e sua capacidade de prever a mortalidade em 60 dias em pacientes com COVID-19 internados em unidade de terapia intensiva.
Um estudo longitudinal prospectivo e unicêntrico foi realizado em uma coorte de pacientes em terapia intensiva devido a diagnóstico de COVID-19 confirmado, usando teste de reação em cadeia da polimerase em tempo real de maio a dezembro de 2020. Uma curva Característica de Operação do Receptor foi construída para predizer o óbito de acordo com o nível de troponina, calculando a área sob a curva e seus intervalos de confiança. Um modelo de risco proporcional de Cox foi gerado para relatar as razões de risco com intervalo de confiança de 95% e o valor de p para sua associação com mortalidade em 60 dias.
Foram incluídos 296 pacientes com taxa de mortalidade em 60 dias de 51%. A troponina foi positiva em 39,9% (29,6% versus 49,7% em sobreviventes e não sobreviventes, respectivamente). Foi encontrada área sob a curva de 0,65 (IC95% 0,59 - 0,71) para prever a mortalidade. O modelo univariado de Cox demonstrou razão de risco de 1,94 (IC95% 1,41 - 2,67) e p < 0,001, mas essa relação não se manteve no modelo de análise multivariado, no qual a razão de risco foi de 1,387 (IC95% 0,21 - 1,56) e o valor de p foi de 0,12.
A elevação da troponina é frequentemente encontrada em pacientes em terapia intensiva para COVID-19. Embora seus níveis sejam maiores em pacientes que vão a óbito, nenhuma relação foi encontrada em um modelo de análise multivariado, o que indica que a troponina não deve ser utilizada como único marcador prognóstico de mortalidade nessa população.
Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(1):131-140
DOI 10.5935/0103-507X.20220007-en
Avaliar a incidência de fatores de risco para hipotensão pósintubação em pacientes críticos com COVID-19.
Foi realizado um estudo retrospectivo com 141 pacientes com COVID-19 que foram intubados na unidade de terapia intensiva. Hipotensão pós-intubação foi definida como a necessidade de qualquer dose de vasopressor a qualquer momento em até 60 minutos após a intubação. Pacientes com parada cardiorrespiratória relacionada à intubação e hipotensão antes da intubação foram excluídos do estudo.
Dos 141 pacientes incluídos, 53 pacientes (37,5%) e 43,6% dos pacientes (n = 17) eram do sexo feminino. A idade mediana do grupo com hipotensão pós-intubação foi de 75 anos (amplitude interquartil: 67,0 - 84,0). Na análise multivariada, índice de choque ≥ 0,90 (RC = 7,76; IC95% 3,14 - 19,21; p < 0,001), níveis de albumina < 2,92g/dL (RC = 3,65; IC95% 1,49 - 8,96; p = 0,005) e níveis de procalcitonina (RC = 1,07, IC95% 1,01 - 1,15; p = 0,045) foram fatores de risco independentes para hipotensão pós-intubação. A mortalidade hospitalar foi semelhante em pacientes com hipotensão pós-intubação e pacientes sem hipotensão pós-intubação (92,5% versus 85,2%; p = 0,29).
A incidência de hipotensão pós-intubação foi de 37,5% em pacientes críticos com COVID-19. Um índice de choque ≥ 0,90 e níveis de albumina < 2,92g/ dL foram independentemente associados à hipotensão pós-intubação. Além disso, índice de choque ≥ 0,90 pode ser uma ferramenta do leito antes da intubação endotraqueal. Neste estudo, a hipotensão pós-intubação não esteve associada ao aumento da mortalidade hospitalar em pacientes com COVID-19.
Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(1):141-146
DOI 10.5935/0103-507X.20220008-en
Avaliar a qualidade de vida relacionada com a saúde e a incapacidade no primeiro mês após a alta para domicílio de todos os sobreviventes de COVID-19 grave internados por mais de 24 horas no Serviço de Medicina Intensiva.
Estudo realizado no Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário São João, entre 8 de outubro de 2020 e 16 de fevereiro de 2021. Aproximadamente 1 mês após a alta para domicílio, uma enfermeira com experiência em medicina intensiva realizou uma consulta telefônica a 99 sobreviventes, aplicando os questionários EuroQol Five-Dimensional Five-Level e World Health Disability Assessment Schedule 2.0 - 12 itens.
A média de idade da população estudada foi de 63 ± 12 anos, e 32,5% foram submetidos à ventilação mecânica invasiva. O Simplified Acute Physiology Score médio foi de 35 ± 14, e o Índice de Comorbilidades de Charlson foi de 3 ± 2. O tempo de internamento em medicina intensiva e no hospital foi de 13 ± 22 e 22 ± 25 dias, respectivamente. A média da Escala Visual Analógica da EuroQol foi de 65% (± 21), sendo que apenas 35,3% dos sobreviventes não apresentaram ou tiveram problemas ligeiros para realizar suas atividades habituais, a maioria com algum grau de dor/desconforto e ansiedade/depressão. O World Health Disability Assessment Schedule 2.0 - 12 itens, mostrou incapacidade marcada em retomar o trabalho habitual ou atividades comunitárias e na mobilidade. O uso de ambas as ferramentas sugeriu que o estado de saúde dos sobreviventes seria pior do que a sua percepção.
A identificação precoce de sequelas pode ajudar a definir fluxos e prioridades para a reabilitação e reinserção após a COVID-19 grave.
Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(1):1-12
DOI 10.5935/0103-507X.20220001-en
Há diversas terapias sendo utilizadas ou propostas para a COVID-19, muitas carecendo de apropriada avaliação de efetividade e segurança. O propósito deste documento é elaborar recomendações para subsidiar decisões sobre o tratamento farmacológico de pacientes hospitalizados com COVID-19 no Brasil.
Um grupo de 27 membros, formado por especialistas, representantes do Ministério da Saúde e metodologistas, integra essa diretriz. Foi utilizado o método de elaboração de diretrizes rápidas, tomando por base a adoção e/ou a adaptação de recomendações a partir de diretrizes internacionais existentes (GRADE ADOLOPMENT), apoiadas pela plataforma e-COVID-19 RecMap. A qualidade das evidências e a elaboração das recomendações seguiram o método GRADE.
Foram geradas 16 recomendações. Entre elas, estão recomendações fortes para o uso de corticosteroides em pacientes em uso de oxigênio suplementar, para o uso de anticoagulantes em doses de profilaxia para tromboembolismo e para não uso de antibacterianos nos pacientes sem suspeita de infecção bacteriana. Não foi possível fazer uma recomendação quanto à utilização do tocilizumabe em pacientes hospitalizados com COVID-19 em uso de oxigênio, pelas incertezas na disponibilidade e de acesso ao medicamento. Foi feita recomendação para não usar azitromicina, casirivimabe + imdevimabe, cloroquina, colchicina, hidroxicloroquina, ivermectina, lopinavir/ ritonavir, plasma convalescente e rendesivir.
Até o momento, poucas terapias se provaram efetivas no tratamento do paciente hospitalizado com COVID-19, sendo recomendados apenas corticosteroides e profilaxia para tromboembolismo. Diversos medicamentos foram considerados ineficazes, devendo ser descartados, de forma a oferecer o melhor tratamento pelos princípios da medicina baseada em evidências e promover economia de recursos não eficazes.
Resumo
Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(1):185-196
DOI 10.5935/0103-507X.20220013-en
Embora a PaO2/FiO2 derivada da gasometria arterial continue sendo o padrão-ouro do diagnóstico de insuficiência respiratória aguda, a SpO2/FiO2 tem sido investigada como potencial substituta. Esta revisão narrativa apresenta o estado da literatura pré-clínica e clínica sobre a SpO2/FiO2 como possível substituta da PaO2/FiO2 e para uso como marcador diagnóstico e prognóstico; ainda, é fornecida uma visão geral da oximetria de pulso e suas limitações, além da avaliação da utilidade da SpO2/ FiO2 como substituta da PaO2/FiO2 em pacientes com COVID-19. Ao todo, foram encontrados 49 estudos comparando SpO2/FiO2 e PaO2/ FiO2 com base em uma estratégia de pesquisa mínima. A maioria dos estudos foi realizada em recémnascidos, alguns foram realizados em adultos com síndrome do desconforto respiratório agudo, e outros foram realizados em outros cenários clínicos (incluindo poucos em pacientes com COVID-19). Há certa evidência de que os critérios de SpO2/FiO2 podem substituir a PaO2/FiO2 em diferentes cenários clínicos. Isso é reforçado pelo fato de que devem ser evitados procedimentos invasivos desnecessários em pacientes com insuficiência respiratória aguda. É inegável que os oxímetros de pulso estão cada vez mais difundidos e podem proporcionar um monitoramento sem custos. Portanto, substituir a PaO2/FiO2 pela SpO2/FiO2 pode permitir que instalações com recursos limitados diagnostiquem a insuficiência respiratória aguda de maneira objetiva.