A ciência acima do idioma: um apelo à consideração do preconceito linguístico na publicação científica - Critical Care Science (CCS)

Editorial

A ciência acima do idioma: um apelo à consideração do preconceito linguístico na publicação científica

A hegemonia do idioma na ciência

Considere a seguinte situação fictícia: você acaba de escrever o manuscrito principal de um estudo que, desde a concepção até a análise final, levou mais de 4 anos para ser concluído. Agora, você precisa tentar publicá-lo em uma revista científica respeitada para divulgar suas descobertas para um público amplo e avançar em sua carreira acadêmica. Entretanto, os manuscritos para todas as revistas de alto impacto nesse mundo fictício devem ser escritos em chinês mandarim. Desde o primeiro rascunho até a última resposta aos revisores, toda a comunicação deve ocorrer em um idioma no qual você não é fluente. O fato de você ser fluente em dois idiomas além da sua língua nativa não ajuda em nada, pois o mandarim simplesmente não é um deles. Você não sabe espanhol como o primeiro autor deste manuscrito, ou mesmo português como os outros três. Como isso faz você se sentir? Provavelmente, esse é o mesmo sentimento experimentado pela maioria dos pesquisadores do planeta que não são falantes nativos de inglês toda vez que enviam um manuscrito para revisão por pares em um sistema de publicação enraizado na tradição linguística anglo-saxônica. Esse problema não se limita a periódicos sediados em países de língua inglesa. Por exemplo, a Critical Care Science, a revista oficial da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI), exige que os manuscritos sejam enviados em inglês ou português (ela publica os artigos aceitos em ambos os idiomas), mas recebe um número significativo de envios de países em que nenhum desses idiomas é nativo.(,)

Estima-se que mais de 7 bilhões de pessoas no planeta Terra mantenham vivos mais de 7.000 idiomas, dos quais 23 têm pelo menos 50 milhões de falantes.() O inglês é apenas um deles e é falado como idioma nativo por menos pessoas do que o chinês mandarim ou o espanhol. Embora a maioria da população mundial seja monolíngue, o domínio da língua inglesa na ciência e no meio acadêmico no último século é evidente.() Assim, ainda que a maioria dos cientistas do mundo todo não seja falante nativo de inglês, eles precisam publicar em inglês se quiserem apresentar seu trabalho em uma revista de alto impacto. Mais de 85% da população global reside em países de baixa e média renda, onde a proficiência em inglês é menos comum do que em países de alta renda. Essas disparidades podem exacerbar as discrepâncias tanto na produção quanto no acesso à literatura científica. Essa questão é particularmente pertinente em cuidados intensivos. Por exemplo, entre os quatro principais países com o maior número de leitos de unidades de terapia intensiva do mundo (Estados Unidos, Brasil, China e Alemanha), apenas um tem o inglês como idioma nativo. Essa realidade tem efeitos significativos.

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