A alta mortalidade em unidades de terapia intensiva brasileiras pode ser um problema de legislação e não um problema técnico: foco nas práticas de sedação - Critical Care Science (CCS)

Carta ao Editor

A alta mortalidade em unidades de terapia intensiva brasileiras pode ser um problema de legislação e não um problema técnico: foco nas práticas de sedação

Crit Care Sci. 2023;35(2):230-232

DOI: 10.5935/2965-2774.20230337-pt

Visualizações 8

AO EDITOR

No cuidado dos pacientes críticos em ventilação mecânica, há uma associação consistente entre sedação mais profunda e piores desfechos na unidade de terapia intensiva (UTI).(,) A sedação profunda nas primeiras 48 horas de internação na UTI já foi associada a atraso na extubação, maior necessidade de traqueostomia, permanência mais longa na UTI e maior mortalidade hospitalar e a longo prazo.() Nesse sentido, talvez um dos maiores avanços no cuidado dos pacientes críticos possa ser resumido pela abordagem ABCDEF: Assess, prevent, and manage pain (avaliação, prevenção e manejo da dor); Both spontaneous awakening trials and spontaneous breathing trials (testes de despertar e respiração espontâneos); Choice of analgesia and sedation (adequada analgesia e sedação); Delirium – assess, prevent, and manage (identificação, prevenção e controle do delirium); Early mobility and exercise (mobilização e exercício precoces); e Family engagement and empowerment (fortalecimento e envolvimento familiar no cuidado). Cada intervenção individual da abordagem é baseada em evidências e foi validada em diversos ensaios clínicos. A abordagem combina o impacto individual de cada intervenção em um processo sinérgico de cuidado que melhora os desfechos na UTI e pode mitigar a carga da síndrome pós-cuidados intensivos em sobreviventes. A aplicação dessas intervenções já demonstrou melhorar desfechos a curto prazo (duração do delirium, necessidade de restrição física e tempo de ventilação mecânica) e longo prazo (reinternação na UTI e alta da UTI para casa) em pacientes críticos.() Nessa abordagem, o uso de sedação leve parece ser preferível ao de sedação profunda.(,)

Nos últimos anos, os países de alta renda têm demonstrado significativa redução na mortalidade de pacientes críticos, algo que não foi alcançado em países de baixa e média renda. E por que não? Avaliemos alguns dados do Brasil, um país continental e multicultural, que tem falhado sistematicamente na redução da morbidade e mortalidade da doença crítica aguda. Recentes ensaios clínicos randomizados, metodologicamente bem conduzidos, demonstraram a incapacidade de algumas equipes clínicas em atingir as metas de sedação leve recomendadas internacionalmente.(,) O estudo CHECKLIST,() que incluiu 6.877 pacientes internados em UTIs adultas brasileiras, mostrou baixa adesão da equipe da UTI (35,0% no grupo controle versus 40,5% no grupo intervenção; p = 0,05) em manter sedação moderada nos pacientes (Escala de Agitação e Sedação de Richmond de -3 a 0). A mortalidade intra-hospitalar (truncada em 60 dias) foi de 33,9%, com pontuações médias do Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3) de 51,2 no grupo controle (desvio-padrão – DP – 17,9) e de 54,2 no grupo intervenção (DP de 17,5). O estudo Acute Respiratory Distress Syndrome Trial (ART),() que avaliou 1.010 pacientes com SDRA moderada a grave, mostrou que 96,8% dos pacientes no grupo controle e 73,3% no grupo intervenção (p < 0,001) necessitaram de bloqueio neuromuscular, com mortalidade global de 52,3%. Essa prática de sedação profunda parece ser mais comum em países de baixa e média renda.() Já em países de alta renda, o estudo multinacional Practice of Ventilation Patients (PROVENT), que incluiu 2.377 pacientes com SDRA em UTIs de 50 países europeus, mostrou que apenas 21,7% dos pacientes receberam bloqueio neuromuscular. Neste estudo, as taxas de mortalidade foram de 40,3% e 46,1% para SDRA moderada e grave, respectivamente.() Ratificando esses números brasileiros, o estudo multicêntrico Epidemiology of Respiratory Insufficiency in Critical Care (ERICC) avaliou 773 pacientes adultos internados em 45 UTIs e mostrou mortalidade hospitalar de 52% entre os pacientes com SDRA.() Além disso, recentemente, uma análise dos primeiros 254.288 pacientes com doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) internados em hospitais brasileiros mostrou mortalidade de 80% entre aqueles que precisaram de ventilação mecânica invasiva.()

[…]

Comentários

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também